· Idealmente todos os ouvintes compreenderiam a intenção da pesquisa, da procura poética, mas como normalmente isso não passa de uma ilusão_ todos temos critérios e opiniões divergentes sobre tudo, mais ainda sobre o que é lato e passível de ser criticado _digo apenas que é uma viagem que atravessa o universo do Tango e do Fado e que os aproxima musicalmente e ao nível de conteúdos, e essa viagem reflecte uma outra, paralela, que começa no descontentamento, na procura do mundo novo, e tanto para argentinos como portugueses, esse desassossego é amoroso, lascivo, apaixonado e são sentimentos que se confundem entre a carne e o sangue derramado, como num bom Tango. Há amor, solidão e traição, há desespero e desencontro. Isso é o Fado, como é Tango também.
· E desse disco qual é a sua canção favorita?
· Não tenho filhos favoritos. Todas as músicas estão ali porque fazem parte da história que eu quis contar, aquilo que hipoteticamente não resultaria tão bem, ficou de fora. Mas talvez nomeie “A Laurindinha” (João Paulo Esteves da Silva e Miguel Farias), como o momento entre o arrebatamento e a introspecção, no fundo, a Laurindinha somos nós todos a “espernear” por um mundo interior melhor, a implorar amor e atenção e aqui, o dito “Facebook” (“rabisca amor em cem murais”) é o oráculo, o “Salvador”.
· O que difere o “Não Há Só Tangos Em Paris” do seu disco anterior “Kronos”?
· Começando pelo tema, é tudo diferente. O Kronos é uma mão cheia de cantautores experimentados e bem sucedidos a falarem do seu tempo e das marcas que este lhes impugnou; Não há só Tangos em Paris é mais ufano, mais reflexivo da natureza das nossas emoções e de como a música dos povos e as suas movimentações se unem ou afastam, se reagrupam em momentos distintos historicamente, geograficamente. Não há só Tangos em Paris transpira drama e alegre sensualidade e devolve-nos sentimentos antigos, imagens de outros tempos.
· Como surgiu a ideia de cantar e gravar em francês?
· Não sendo a primeira vez (aconteceu em “Corpo Iluminado”_ avec le temps de Leo Férrè e em “Ulisses” _Liberté de Paul Elouard), o “L’Invitation au voyage” (C.Baudelaire) era o poema que faltava para ligar as pontas com o mundo francófono, que atravessava sistematicamente a pesquisa que fui fazendo sobre o Tango e o desenraizamento e fuga para o exílio feita pelos argentinos e que me levava a criar paralelos com o Fado e os fenómenos migratórios portugueses. A música é do João Paulo Esteves e já estava feita foi só adaptá-la à minha voz e ao devir deste disco.
· Acha que o mercado estrangeiro está hoje em dia mais aberto ao fado e à música portuguesa?
· Não mais do que há dez anos atrás, talvez a grande diferença daí para cá seja o facto de haver cada vez mais intérpretes, logo mais possibilidades de despertar a atenção do mercado. Além disso, criaram-se as condições favoráveis ao ressurgimento do Fado, que na verdade não morreu, nem sequer estava moribundo, apenas se revestiu de uma modernidade necessária para ser notado nos grandes mercados internacionais e assim poder competir com outros géneros mais vistosos.
· Qual a sensação de cantar para uma plateia esgotada, como aconteceu recentemente no São Luiz?
· É magnífica e felizmente não é uma excepção. É bom saber que o nosso trabalho, o esforço merece o reconhecimento do público.
· Como descreveria a sua música?
· É uma música sem espartilhos.
· Ouve muito fado, ou gosta de outras sonoridades?
· Ouço pouco Fado, por necessidade de me distanciar, mas ouço bastante outros géneros, dependendo do momento. Coisas muito específicas, gosto de projectos de fusão, Jazz, MPB...
· O que podemos esperar da Cristina Branco nestes próximos tempos?
· Muita estrada, as necessárias e exaustivas digressões e reciclagem de temas, outros novos que encadearão necessariamente no que vem de trás. O bom da música é a curiosidade que ela desperta, onde nos leva e o que nos devolve. De mim podem esperar muitas coisas, mas nunca a mediocridade, o desinteresse.
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